Em companhia de Lia

OPINIÃO

Quando entrei na companhia, uma das primeiras coisas que me chamaram atenção foi Lia dizer que era uma artista independente. Recentemente, ela fez uma pequena alteração no nome da companhia que convida você a ter outra percepção de como trabalha e do que é de fato: (em) companhia de danças. Sempre em colaboração com outros artistas nas suas criações, certa vez em uma conversa com o público sobre o processo de criação de Encantado, ela usou como metáfora  “sou uma bordadeira”.

Escolhendo as cores, linhas e pontos, há mais de 30 anos, costura uma trajetória consistente no cenário da dança brasileiro e mundial. E é curioso para mim, por estar tendo esse contato mais próximo com ela, como etapas ainda estão sendo conquistadas na carreira e que nem sempre tudo foi fácil. Apesar dela também sempre deixar nítido a sua condição social e o que implica tudo isso no contexto em que vivemos. É realmente inspirador, porque o que diferencia ela de outros artistas independentes são as mais de três décadas de trabalho.

Ela, uma mulher, mãe e avó brasileira, teve o seu espetáculo Encantado, que é dedicado ao seu neto, escolhido para abrir as noites dançantes em Campinas. É a primeira vez, desde que a Bienal Sesc de Dança passou a ser realizada na cidade, que um espetáculo brasileiro faz a abertura do festival. “Eu me sinto muito honrada com esse convite! A dança brasileira na sua bela diversidade deve estar sempre representada nos teatros e festivais. Esse convite é fruto também de uma parceria sólida do meu trabalho com uma das instituições mais importantes para os artistas brasileiros que é o Sesc SP” agradece Lia. 


Encantado já foi apresentado mais de 100 vezes, quando entrei para a companhia ele já tinha sido dançado 65 vezes. Esses números ainda me chocam um pouco porque aqui no Brasil poucos artistas independentes conseguem dançar tanto seu trabalho. É uma experiência única poder estar vivendo isso, ainda mais em companhia de Lia. A cada apresentação, peço licença para habitar um universo encantado criado junto com 140 cobertores de microfibra. Certa vez ela brincou “são 151 bailarinos em cena”.

E o trabalho não para, Lia está envolvida com a criação de um trabalho para os jovens estudantes do Núcleo 2, formação continuada da Escola Livre de Dança da Maré, projeto criado por ela e Silvia Soter em parceria com a Redes da Maré. É um exercício de criação que vai estrear em novembro no Rio de Janeiro e está sendo considerado como um desafio para a coreógrafa, pois envolve 20 jovens da formação, além dos artistas que trabalham há mais tempo com ela como, Leonardo Nunes, Valentina Fittipaldi, Andrey Silva, Larissa Lima e Ricardo Xavier. E também sua parceira e assistente de direção Amália Lima.


“Estou também fazendo uma re-criação de partes de minha peça de 2009, Pororoca, com estudantes da Escola do Centro Nacional Coreográfico de Angers na França. Além disso, graças ao trabalho precioso da Gabi Gonçalves e da Corpo Rastreado temos conseguido levar o “Encantado” para algumas cidades do Brasil. Também estamos em turnê com essa peça em vários países da Europa. Assim, estou sempre ocupada em como equilibrar tantas frentes de trabalho necessárias para a nossa sobrevivência de artistas independentes, além de procurar financiamento para a nossa manutenção e dos projetos em que estou envolvida (Escola Livre de Dança da Maré e Centro de Artes da Maré). E ocupada em como me transformar, como encontrar novos caminhos para o que venho realizando há tantos anos. “Tudo isso são também processos criativos e exigem muita imaginação” – conta a artista sobre o que anda orbitando seu imaginário criativo.

Lia diz também que vem assistindo tudo do Ciclo Selvagem, projeto da Anna Dantes e do Ailton Krenak e “tentando ouvir para dentro”. Que sorte a nossa poder compartilhar desse cosmos, e muito em breve 151 bailarinos pousam para bailar em Campinas. Até já!

Serviço:

ENCANTADO – LIA RODRIGUES (EM) COMPANHIA DE DANÇAS | RJ | BRASIL
14/09 às 20h
16/09 às 21h30
Sesc Campinas | Galpão
Ingressos esgotados.

FICHA TÉCNICA
Criação e direção: Lia Rodrigues;
Dançado e criado em colaboração por: Leonardo Nunes, Valentina Fittipaldi, Andrey Da Silva, Larissa Lima, David Abreu e Raquel Alexandre;
Também dançado por: Alice Alves, Daline Ribeiro, Cayo Almeida, Vitor de Abreu e Sanguessuga;
Colaboração na criação: Carolina Repetto, Joana Castro, Matheus Macena, Ricardo Xavier e Tiago Oliveira;
Assistente de criação e direção: Amália Lima.
Dramaturgia: Silvia Soter;
Colaboração artística e imagens: Sammi Landweer;
Criação de luz: Nicolas Boudier, com assistência técnica de Baptistine Méral e Magali Foubert;
Iluminação (criação e operação) no Brasil: Jimmy Wong;
Trilha sonora e mixagem: Alexandre Seabra (a partir de trechos de músicas do povo Guarani Mbya – Aldeia de Kalipety da T.I. Tenondé Porã – cantadas e tocadas durante marchas de povos indígenas em Brasília, em agosto e setembro de 2021, contra o Marco Temporal);
Produção no Brasil: Gabi Gonçalves (Corpo Rastreado);
Produção e difusão internacional: Colette de Turville, com assistência de Astrid Toledo;
Administração na França: Jacques Segueilla;
Idealização e produção do projeto de apoio do Instituto Goethe: Claudia Oliveira;
Secretária e administração: Glória Laureano;
Professores: Amalia Lima, Sylvia Barretto e Valentina Fittipaldi;

Agradecimentos: Thérèse Barbanel, Antoine Manologlou, Maguy Marin, Eliana Souza Silva e equipe do Centro de Artes da Maré.

Uma coprodução: de Scène Nationale Carré-Colonnes; Le TAP – Théâtre Auditorium de Poitiers; Scène Nationale du Sud-Aquitain; La Coursive – Scène Nationale de La Rochelle; L’empreinte, Scène Nationale Brive-Tulle; Théâtre d’Angoulême Scène Nationale; Le Moulin du Roc, Scène Nationale à Niort; La Scène Nationale d’Aubusson; Kunstenfestivaldesarts (Brussels); Brussels, Theaterfestival (Basel); HAU Hebbel am Ufer (Berlin); Festival Oriente Occidente (Rovereto); Theater Freiburg; l’OARA – Office Artistique de la Région Nouvelle Aquitaine; Julidans (Amsterdam); Teatro Municipal do Porto; Festival DDD, Dias de Dança; Chaillot – Théâtre National de la Danse (Paris); Le CENTQUATRE-PARIS e Festival d’Automne à Paris.

Com apoio de FONDOC (Occitanie)/França; Fundo Internacional de Ajuda para as Organizações de Cultura e Educação 2021 do Ministério das Relações Exteriores da República Federal da Alemanha, do Goethe-Institut e de outros parceiros; e Fondation d’entreprise Hermès/França, com a parceria de France Culture.

Uma produção da Lia Rodrigues Companhia de Danças com apoio da instituição Redes da Maré, da Campanha “A Maré diz não ao Coronavírus – Projeto Conexão Saúde” e do Centro de Artes da Maré.

Lia Rodrigues é artista associada ao CENTQUATRE, na França.

“Encantado” é dedicado ao Oliver.

* Piauiense, artista da dança, integrante da Lia Rodrigues (em) Companhia de Danças e editora web convidada Sesc Campinas