Leda Maria Martins* compartilhou suas imagens bailarinas na última aula magistral da 13ª Bienal Sesc de Dança.
Quem teve a sorte de compartilhar o pequeno espaço-tempo dessa espiral em comum na Arena do Sesc Campinas, ficará marcado como quem tem acesso às suas obras. Acompanhada das mediadoras Sônia Sobral e Princesa Ricardo Marinelli, Leda também atraiu a presença de abelhas e borboletas, fazendo jus à tarde primaveril de domingo escaldante. “Eu postulo o mundo como poeta congadeira”, afirma a professora que colocou o público para dançar e cantar. Foram cânticos para pedir licença para entrar, travessia e licença para sair.
A aula magistral encerrou a programação “Saberes em Movimento”, ciclo de ações formativas do festival. Destacamos aqui algumas falas da poeta congadeira. Boa leitura!
SOBRE A DANÇA
“Cantar, dançar, batucar como forças motrizes, como forças matrizes. Isso na verdade, tenho traduzido nessas décadas todas, como ter no como corpo o lugar de inscrição da memória, como ter no corpo como lugar de inscrição dos saberes. Isso quer dizer que a dança inscreve conhecimentos.”
A BIENAL COMO AQUILOMBAMENTO
“A Beatriz Nascimento é uma das mais importantes pensadoras negras do nosso país. Ela tem algumas reflexões, na época, inéditas sobre o termo Quilombo, o verbo Aquilombar. Que na verdade, o que ela retoma? Que em África significava esse termo era para todo e qualquer ajuntamento, onde as pessoas se juntavam, se reuniam, se agrupavam, seja para morar, seja para qualquer outra atividade. Então, na verdade, pensando com a Beatriz Nascimento, podemos dizer que a Bienal promove um aquilombamento. E essa palavra é muito importante, da cultura negra, das culturas negras, dos povos negros, das diáspodas, essa é uma palavra que nos fortalece muito. É uma palavra que tem um sentido histórico muito importante, devido aos próprios quilombos, como territórios, aí chegamos a uma outra palavra importante nessa Bienal.”
SOBRE “O TEMPO NO CORPO BAILARINA”
“No tempo o corpo bailarina. E, depois, no corpo o tempo bailarina. São duas frases que parecem ser apenas retóricas, mas não são. Primeiro, a ideia de que dança é movimento, mudança, dança é tempo. Assim como é matemática, assim como é a poesia. E, portanto, tempo é este corpo, porque quando a gente pensa no corpo, tempo não é o corpo que simplesmente, naturalmente, ele vai revelando em si. O acordo do estético, a própria velhice é isso, envelhecer é como curvatura, e o corpo, se nós pensarmos por esse modo de percepção, a nossa própria ideia do corpo que se transforma com as idades, deixa de ser algo da ordem daquilo que nós, da ordem do indesejado, e da ordem do não querido, da ordem da rejeição, que se desenha no espaço. Assim é o nosso corpo. As “”caminhas” vão se desenhando na nossa face, na cor dos nossos cabelos, e no próprio moldar-se, muitas vezes. Às vezes, o corpo que vai fazendo o quê? Ele vai bailarinando. O corpo bailarina o tempo. Então ele dança o tempo. Isso é algo que a gente evita. Então há um momento do dia, da nossa vida, em que o corpo dança… Primeiro ele dança agachado, não é? Daí nós vamos aprendendo a levantar. E já, em longa idade, ele volta a agachar-se. Então se você olha para a árvore, você olha para você mesmo. Essa ideia de que corpo é tempo, tempo é movimento. Por isso que no corpo o tempo bailarina. Tudo é transformação, tudo é movimento. No corpo tudo bailarina.”
*Leda Maria Martins é poeta, ensaísta, dramaturga e professora. É rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, em Belo Horizonte. É doutora em Letras/Literatura Comparada pela UFMG e mestre em Artes pela Indiana University. Escreveu livros como “A cena em sombras” (Perspectiva, 1995), “Afrografias da Memória” (Perspectiva, 2ª edição revista e atualizada, 2021) e “Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela” (Cobogó, 2021).