DANÇAR PELO DESEJO DOS CORPOS DEF.

Notas da redação | Programação

Corpos def. em cena!

Conversamos com o artista João Paulo Lima, que apresenta o espetáculo Devotees na Bienal Sesc de Dança, nos dias 23 e 24 de setembro. Saiba mais aqui.

No monólogo, o performer convida o púplico a repensar os tabus e preconceitos relacionados à deficiência e à sexualidade. O espetáculo aborda como o devoteísmo – atração sexual por pessoas com deficiência – se manifesta de formas distintas, sendo possível a descoberta do desejo por alguém que está fora do eixo da padronização, além da compreensão de se ver como instrumento da fantasia de alguém.

Leia a conversa completa:

 

Como se deu a investigação para a criação do espetáculo? Você partiu de quais referências, influências e estímulos?  

Acho que o processo de Devotees começou a partir do momento que eu comecei nas artes a expor em fotos e vídeos meu corpo def. Essa exposição me fez receber muitas mensagens de várias pessoas, de vários países, inclusive. Eles às vezes me diziam essa palavra do inglês (devotees) e me faziam perguntas sobre meu corpo. Depois percebi que tinha muitas vezes um interesse sexual. Comecei a procurar definições sobre o termo. Ao longo do tempo percebi como essa relação sobre fetiche e meu corpo ser o objeto de desejo me empoderava como corpo dissidente que socialmente é tratado como corpo assexual, assexuado. Em 2019 tinha resolvido que esse seria meu trabalho próximo, logo depois de Notro corpo em que eu já lançava algumas ideias sobre empoderamento def.

De que forma o desejo e a sexualidade são abordados no solo em termos conceituais e de movimentos? 

Uso alguns clichês em momentos do espetáculo, tanto nos movimentos, insinuações e ou objetos da cena. Além do figurino que já lembra a comunidade BDSM e minha relação com o músico que lembra a ideia de dominar e ser dominado. 

Fetiche é uma narrativa que se cria sobre determinada coisa, objeto, pessoa e a gente imagina o estar, ter, possuir aquilo, quase sempre ou sempre fora da hegemonia de corpos ou comportamentos padrões.

Você pode destrinchar a ideia de transfiguração da imagem de um corpo def em uma dança de fetiches? O que seria, neste trabalho, uma dança de fetiches?

O devoteísmo se manifesta de várias maneiras, mas o que tento arrancar ou lançar público é que podemos até descobrir que desejamos algo fora do eixo da padronização e que somos também ou podemos ser objeto de desejo de outres. A descoberta desse jogo pode nos levar a entendermos como um corpo que deseja e quer ser desejado. O desejo é um direito de todos, digo isso no espetáculo, direito de corpos defs e não defs.


Como foi pensada a trilha sonora do solo? 

Foi pensada ao longo de ensaios com o Felipe Giffoni e seus instrumentos de sopro, que são meio que não convencionais para um solo de dança, mas que remetem ao strip, ao se mover sensualmente. 

Além de permitirem um diálogo erótico de olhares e movimentos entre o dançarino e o músico, as músicas foram desenhadas a cada jogo de improvisação e deixas de movimentos, para montar uma partitura sonoro-coreográfica.


Como você enxerga os tabus e preconceitos sobre a deficiência e a sexualidade? De que forma isso se dá no espetáculo? 

O espetáculo traz claramente um corpo que se expõe, sem constrangimento e ousado. Assumir-se def, assumir-se não def também e não padrão é uma estratégia anti hegemônica e de subversão de uma sociedade que criou e cria modelos frustrados de beleza. Não quis em nenhum momento esconder a deficiência, mas deixá-la explícita e literal, revestida de roupa, movimentos e ambiência eróticas. Mostrar empoderamento é dizer pro outro que ele também pode desenvolver o seu próprio empoderamento. 

 

*João Paulo Lima é artista-performer- educador e escritor. Doutorando em Dança (UFBA). Mestre em Literatura Comparada (UFC) Técnico em dança contemporânea e assessor de acessibilidade. Desenvolve suas pesquisas sobre corporeidades diversas. Dirige espetáculos0- de dança, teatro e video- performance.  É ativista dos direitos das pessoas com deficiência e colaborador do coletivo nacional LGBT: Vale PCD.